A PRIMEIRA SÍLABA
João apaixonou-se por Joana e Joana apaixonou-se por João precisamente no mesmo dia, à mesma hora, em igual minuto e em idêntico segundo. Nunca o propalado amor à primeira vista aconteceu tão em simultâneo e preciso, qual relógio suíço mais publicitado deste mundo ou de qualquer outro.
Bastou um olhar -- dois, porque se descobriram em igual momento, para perceberem que desde logo a atracção tomou conta das suas vidas e a partir daí nada seria como antes.
As primeiras palavras foram naturalmente proferidas em uníssono, "gosto muito de ti" e logo de seguida falou mais alto a curiosidade, "como te chamas?", para decidirem de imediato que se tratariam apenas pela primeira sílaba de ambos os seus nomes: "Jo". Ficaram a saber depois que tinham os mesmos gostos. Ele adorava sopa de nabiças, ela era doida por nabiças na sopa. Ele gostava de praia, ela detestava o campo. Ele amava fazer amor mal abria os olhos e ela abria os olhos mal acordava. Ele devorava os livros de Saramago, ela já tinha lido o Memorial do Convento oito vezes. Ele era adepto incondicional do Benfica, ela tinha uma cadela chamada Vitória. E por aí fora.
Um belo dia, Jo chegou mais cedo do trabalho e encontrou Jo na cama com o melhor amigo do casal, Jorge de seu nome, mas que por brincadeira e pela amizade que ambos tinha por ele, também o tratavam po Jo.
Jo (de Joana), jurou por todos os Santos (São Cais do Sodré incluído), que tudo não passou de uma trágica confusão. Em lágrimas, explicou que quando regressou a casa, encontrou já deitado (pensando tratar-se de Jo de João), Jo de Jorge e apesar de admirada por o seu amado ter chegado mais cedo, não foi de modas; meteu-se também na cama. Lembra-se até de ter dito na altura "Que bom! O meu Jo já cá está! ´bora lá brincar um bocadinho!"
A partir desse dia, João nunca mais se apaixonou por mulheres cujo nome a primeira sílaba fosse Cor. De Cornélia.
Alberto Oliveira.